HPV e Histórico

Apesar de estar em grande destaque atualmente, essa doença já era conhecida na Antigüidade. Reconhecida inicialmente por Hipócrates (460-377 A.C.), foi depois descrita como verrugas da pele, na Era Romana (Celsus 25 D.C.).

Embora houvesse relatos de sua ocorrência na Idade Média, naquela época não existia distinção entre as diversas doenças sexualmente transmissíveis.

No século XVIII, chegou a ser confundida com manifestações da sífilis e, posteriormente, com a gonorreia.

Foi no século XX que apareceram evidências de que as verrugas eram causadas por um vírus.

Nos últimos 30 anos, estudos mais específicos revelaram que essas verrugas são causadas pelo HPV. Ficamos sabendo sobre a relação entre o HPV e o câncer do colo uterino e que o herpes vírus, inicialmente estudado, não tinha participação na origem desse tumor apenas nos últimos 20 anos.

Popularmente, essa doença também é conhecida como verrugas genitais, condiloma acuminado, crista de galo (devido à semelhança de sua aparência com a crista do galo), entre outros nomes. Às vezes, assemelha-se à couve-flor.

A palavra condiloma originou-se do idioma grego e significa tumor redondo e acuminado (pontudo elevado). Portanto, condiloma acuminado é um tumor arredondado e pontudo.

Durante mais de um século e meio estudiosos procuraram, sem sucesso, determinar o agente causador do câncer do colo do útero, doença reconhecidamente ligada à atividade sexual. Foi somente no final dos anos 70 do século passado que inúmeras pesquisas, entre as quais se sobressaíram às realizadas por Harald zur Hausen, vencedor por este motivo do prêmio Nobel de Medicina em 2009, conseguiram caracterizar o Papilomavírus humano (HPV) como elemento essencial na gênese desta importante e frequente neoplasia.

Até então, o vírus era considerado como responsável tão somente por causar as verrugas genitais, conhecidas desde o antigo Egito e Império Greco-romano onde eram designadas por Condyloma acuminatum e consideradas como manifestação da sífilis ou da gonorreia. Foi somente no século XVIII, que passaram a ser consideradas como entidades distintas, relacionadas à falta de higiene e à promiscuidade sexual. Sua transmissibilidade através do ato sexual foi muito bem caracterizada durante a guerra na Coréia, quando inúmeros soldados americanos voltaram contaminados pelo vírus após terem mantido relacionamentos com mulheres daquele país. Após 1950, vários estudos com microscopia eletrônica possibilitaram demonstrar a presença de partículas do vírus no interior de células de papiloma de pele, o que veio a constituir passo importante para a elucidação do agente etiológico. Até 1976, a hipótese diagnóstica de infecção por HPV era somente aventada quando do encontro de lesões verrucosas observadas a olho nu durante o exame ginecológico convencional.

Coube a Meisels e Fortin, em 1976, descreverem, com minúcias, os padrões citológicos das lesões condilomatosas da cérvice uterina e da vagina e caracterizaram o coilócito, célula alterada das camadas mais superficiais do epitélio escamoso, como patognomônica da presença da infecção viral.

A caracterização deste quadro citológico conduziu pesquisadores à análise pormenorizada do colo uterino e da vagina sendo que o exame colposcópico teve aí papel relevante. De fato, no início dos anos 80, já eram conhecidos os mais diversos quadros colposcópicos sugestivos da presença do vírus7, os quais, diga-se de passagem, já eram observados e até mesmo classificados pelos colposcopistas que até então não tinham condições de relacioná-los ao agente infeccioso. As leucoplasias, os pontilhados e os mosaicos, atipias colposcópicas diuturnamente diagnosticadas ao exame colposcópico eram rotineiramente biopsiadas e submetidas ao exame anatomopatológico, sempre na procura do diagnóstico ou na exclusão de processos neoplásicos e de suas lesões precursoras, sem, contudo a preocupação de diagnosticar o que se saberia mais tarde, o agente causal destas patologias.

Foram Meisels e Morin, no Canadá, com estudos citológicos e zur Hausen et al, na Alemanha, com pesquisas biomoleculares, que publicaram os primeiros trabalhos relacionando a infecção por HPV com o carcinoma da cérvice uterina. Os primeiros ao demonstrarem, do ponto de vista morfológico, que as alterações celulares observadas em displasias moderadas eram bastante semelhantes àquelas observadas em células descamadas de condilomas acuminados; os segundos, ao caracterizarem a presença de segmentos de DNA viral em carcinomas de colo uterino8, possibilitaram os conhecimentos que se tem hoje sobre o binômio câncer cervical e HPV. Uma vez caracterizado o agente causador, métodos de biologia molecular, alguns dos quais úteis para a rotina diária, passaram a fazer parte do arsenal diagnóstico e, no futuro deverão se constituir em importante arma no rastreamento das lesões precursoras das neoplasias cervicais, tomando o espaço hoje soberanamente ocupado pela citologia oncológica.

É interessante lembrar que nos primeiros anos após esta constatação, a simples presença da infecção induziu os ginecologistas a tratamentos mais agressivos a fim de obter erradicação do vírus uma vez que imaginavam que altos percentuais de mulheres infectadas acabariam por desenvolver as neoplasias.

Exemplo notório foi a utilização de cremes vaginais com 5-fluorouracil, responsável pelo aparecimento de úlceras de difícil resolução.

Não demoraram a perceber que tal fato nada mais era que simples suposição. Incontáveis estudos realizados nas décadas de 1980 e 1990, como veremos, deixaram poucas dúvidas sobre a real importância do HPV ao demonstrarem que nem todos os subtipos virais que infectam a genitália são oncogênicos e que são muito baixos os percentuais de infectadas por tipos oncogênicos que veem a desenvolver neoplasia. De fato, na atualidade, por meio de métodos de biotipagem, consegue-se codificar mais de 100 subtipos de Papilomavírus humano, duas dezenas dos quais infectam a genitália.

Dentre estes, alguns, conhecidos como de alto risco oncogênico, e caracterizados numericamente como 16, 18, 31, 33, 35, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 66 e 68 tem partículas de seu DNA presentes e integrados ao genoma de seu hospedeiro em praticamente 100% dos carcinomas de colo uterino. Apesar de apresentarem variações regionais quanto as suas incidências, os subtipos 16 e 18 predominam em todo o mundo e são os responsáveis por aproximadamente 70% dos carcinomas espinocelulares da cérvice. Sabe-se hoje que, para que o HPV exerça seu papel oncogênico, é fundamental que haja infecção persistente, o que raramente acontece. Os mecanismos imunológicos do hospedeiro, apesar de relativamente tardios, acabam por eliminar o vírus em aproximadamente 80% das vezes. As infecções, que são extremamente frequentes, resolvem-se espontaneamente impedindo a persistência viral e, como consequência, a transformação neoplásica. Por outro lado, os dados epidemiológicos mostram que usuários de medicamentos imunossupressores, pacientes com linfoma ou leucemia mielóide crônica, são mais frequentemente acometidos. Portadores do vírus da imunodeficiência adquirida, além de apresentarem maior frequência da infecção, apresentam incidência significativamente maior de neoplasia.

Conhecido o agente causador da doença e a importância dos mecanismos imunológicos envolvidos em sua evolução, foi possível a síntese de vacinas, método que visa à prevenção primária do câncer do colo do útero. Há aproximadamente uma década, a imunização é praticada e os estudos tem mostrado, a cada ano, resultados bastante positivos visto que constatam o acentuado declínio das lesões de alto grau, verdadeiras precursoras das neoplasias cervicais. Preparadas com a finalidade de prevenir a infecção pelos subtipos virais 16 e 18, os dois mais prevalentes nas neoplasias, as vacinas tem superado as expectativas uma vez que, por ação cruzada, tem reduzido de maneira sensível as infecções por outros subtipos de HPV, igualmente oncogênicos.

No entanto, apesar de sua alta eficácia, o uso das vacinas ainda não nos possibilita o abandono dos métodos de rastreamento, pois um grande contingente de mulheres certamente ainda permanecerá por muito tempo sem acesso a este método profilático e, é importante ressaltar, mesmo as vacinadas
não estarão isentas de se infectar por subtipos virais não contemplados pelas vacinas. Vacinas mais abrangentes, que contenham substâncias antigênicas de mais subtipos virais, tem sido um dos objetivos da indústria farmacêutica, no momento.

O próximo passo, ao que tudo indica, será o desenvolvimento de vacinas curativas para o câncer cervical. Os vastos conhecimentos adquiridos sobre a etiopatogenia da infecção viral permitiram a identificação de dois genes do vírus conhecidos como E6 e E7, que tem papel fundamental na oncogênese cervical. Estes genes, ao se ligarem a duas proteínas do hospedeiro P53 e Prb respectivamente, acabam por inibir a morte das células alteradas e as torna imortais, havendo, como consequência, indução da proliferação celular, instabilidade do genoma e acúmulo de mutações, iniciando a descontrolada replicação das células. Antígenos vacinais obtidos a partir de E6 e E7, possivelmente poderão desempenhar papel importante no bloqueio da progressão das lesões intra-epiteliais, bem como na evolução dos diferentes estádios do carcinoma invasor. Vacinas com estas características seriam extremamente úteis para milhões de mulheres já infectadas, para as quais as vacinas profiláticas têm efeito somente contra novas contaminações e, acima de tudo para milhares de portadoras de carcinoma invasor.